15/02/15

Se a normalidade se vendesse,
se o vulgar se emprestasse,
se a incerteza se matasse à fome
e os caminhos tortos se desenhassem a regua e esquadro,
quão certos seriam os poisos, as aldeias de areia e as manhãs.
Sem o vício do recorrente
o mar imenso agigantar-se-ia
engolindo o adormecimento, o ópio,
inundando a bolha e agindo por sua iniciativa
despiria as alamedas de prisões do passado
e despertaria o quente que o corpo assaz sente.
Sou vivo, meio vivo, meio sentimento,
entregue ao escondido
e aos sorrisos de momento..
E quero o frémito
no fim do labirinto.

06/08/11

A sala está cheia de mulheres.
Sou eu e um turbilhão de histórias, comentários, vidas e gestos lânguidos em dança lenta... Os movimentos atropelam-se em uníssono com o riso feminino que lhes dá fronteira. Uma conversa mais séria, um sorriso entre dentes enquanto dois dedos verificam a unha de um dedo do pé aleatoriamente e o aceno de cabeça assertivo de quem não se importa com o resultado da conversa. A voz funciona em níveis altos, como ususalmente, em cujo volume descarrega a sua própria sobrevivência. A roda invade-se de vontades e certezas, certezas de momento obviamente, e o olhar centra-se no tabuleiro dos fumos.
A noite arruma-se entre comentários de mamas, caipirinhas feitas por mim e personalidades elevadas à quarta no recanto destas mulheres feitas meninas que se embriagam em conversas de Sexta à noite...

16/01/09

Sou forte, aéreo
tenho a força de um jumento
cego, louco, burro de raiva
ou raiva de burro,
tenho em mim a palavra
as letras e o traço,
do ritmo insidioso,
o assédio dos finados
e a força velada do vento.
Queima em mim o fogo
labareda intencional, provocadora,
Deixai-o queimar!
Deixai-o pastar!...
não o quero nas ruas
todo de uma só vez,
Deixai-o pastar
para quando em consciência o puder largar.
E morrerei de riso,
de boa vontade o repiso,
na minha fogueira, grande,
quando os pés já doerem
e a voz se me queimar...
Bates-me à porta, Batota, e chamas-me à mesa de jogo quando a minha mão não é muito alta. Quando não encontro nos dedos da mão direita as cartas que me fazem falta.
Sossegas-me com um ás escondido na algibeira e, por vezes, o trunfo dos trunfos que, irrepreensível, agarra a vaza de forma mais que certeira. Sou eu que to permito, sou eu que por permitir prevarico. Deixo entrar a Batota, aceito, por momentos, as cartas que me são dadas esquecendo que a regra essencial para a aprendizagem e sobrevivência consiste na derrota de algumas vazas, no aceitar de lambadas e caneladas.
De todas as leituras, de todos os traços, de todas as paisagens pintadas com cores pesadas e difíceis de esquecer, sinto que existem muitas histórias, muitas vidas, muitas construções e desconstruções, todas diferentes entre si. Aprendo que a unicidade das situações, dessas histórias e dessas vidas é real, material. Não compreendo exactamente o que me transmitem, do que falam ou sequer do que se alimentam mas compreendo que estão lá, que o corpo ganha forma aos meus olhos quando o reconheço, quando o consigo finalmente ver, que o chão tem cheiro quando o piso deitado de costas, que o toque do ar frio não é subserviente e toca com força, que a forma, o cheiro, o toque sempre estiveram lá mesmo que só agora os comece a sentir com a certeza do reconhecimento, que existem.
Muitas vidas, muitas histórias, muitos momentos, num consolo inconsolável, num carrossel que não pára de girar e cuja música não se cala.
Curioso: O Nú assume-se como a definição primordial da minha fantasia realista. Dos traços sólidos e minimalistas, do uso dos dias sem desperdícios. O pensamento sente-se bem, confortável, quando se despe de excessos e irrelevâncias e procura os traços rabiscados, sobrepostos sem qualquer hesitação, a grafite na exposição do Nú...
É giro constatar que até no traço simples da grafite existe uma pluralidade de conteúdos e formas. Inconscientemente, talvez, essa pluralidade assume-se como propositada quando nos detemos em frente da tela pendurada naquela sala de paredes branco-claro. Na observação do aprumo final, completo, julgamos a imagem pela intencionalidade quer de contexto visual, logo na sua dimensão emocional, quer no que toca às opções de definição e composição do que se apreende da realidade, incluindo a escolha e o desprezo por determinadas partes do todo.
 
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